sexta-feira, 12 de novembro de 2010

"O Papalagui" trabalho individual de Geografia

Lê com atenção o texto "Das arcas de pedra, das gretas de pedra, das ilhas de pedra e do que entre elas há".
Anota no caderno os vocábulos que desconheces.
  1. Consulta um dicionário e, numa folha de papel, coloca o seu signficado.
  2. Numa folha de papel vegetal localiza Samoa num planisfério ou outro mapa que consideres adequado. Acompanha esta localização com uma breve descrição deste território.
  3. Escreve uma carta ao chefe Tuiavii explicando-lhe:
  • o que é para ti uma cidade;
  • como se caracterizam e organizam as cidades ocidentais (dos países desenvolvidos)
Bom trabaho

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

O PAPALAGUI

«Papalagui - assim os Samoanos chamam aos brancos, e assim Erich Scheurmann chamou à crítica da civilização ocidental posta na boca do chefe samoano Tuiavii que registou um êxito editorial estrondoso. Seduzindo milhares de leitores, tornou-se um autêntico best-seller e livro de cabeceira de certa cena dita alternativa, sobretudo no seu país de origem. Publicado em 1920, na Alemanha, o livro encontrou os primeiros leitores num país ainda ávido de matar saudades do arquipélago de Samoa, cuja parte ocidental tinha sido uma colónia alemã antes de ficar sob a tutela da Nova Zelândia nesse mesmo ano de 1920, até adquirir a independência em 1962. (...)


(...) o Papalagui não pode ser visto isoladamente. Insere-se numa tradição literária secular e numa mitologia de vigor excepcional: o sonho do paraíso terrestre. Este sonho fixa-se no século XVII nos mares do Sul que começam então a ser explorados sistematicamente. Tudo ali se procura, naquelas regiões longínquas do Pacífico: um clima feliz, uma natureza generosa onde sobrevive o 'bom selvagem' de Rousseau, inocente e nu, libertado das pressões do dia-a-dia e sem necessidade de trabalhar.»

Ellen Heinemann, in «Diário de Notícias», 1-I-1984




Das arcas de pedra, das gretas de pedra, das ilhas de pedra e do que entre elas há



O Papalagui mora, como o mexilhão do mar, dentro duma concha dura. Vive entre pedras, como a escolopendra entre as fendas da lava. Tem pedras a toda a volta, de lado e por cima. A sua cabana assemelha-se a um baú de pedra posto ao alto; um baú cheio de cubículos e de buracos.

Entra-se e sai-se da concha de pedra por um só e mesmo sítio. O Papalagui chama a esse sítio «entrada» quando entra na cabana, e «saída» quando sai, muito embora uma e outra sejam exactamente o mesmo. Há um grande batente de madeira que temos que empurrar com toda a força antes de poder penetrar na cabana. Mas isso é só um começo: somos obrigados a empurrar mais uns quantos batentes e só depois é que ficamos realmente dentro da cabana.

A maior parte das cabanas é habitada por maior número de pessoas do que as que há numa só aldeia de Samoa. É preciso, por isso, saber-se exactamente o nome da aiga (1) que se quer visitar. Porque cada aiga ocupa a sua própria parte do baú de pedra, no cimo, em baixo ou a meio, à direita, à esquerda ou mesmo em frente. Além disso, na maior parte das vezes, uma aiga nada sabe da outra, mas mesmo nada, como se entre elas houvesse, não apenas uma parede de pedra, mas Manono, Apolima, Savaii (2) e inúmeros mares. Muitas vezes mal sabem o nome das que lhes estão ao lado e quando se encontram, ao entrar para o abrigo, cumprimentam-se de má vontade ou zunem, quais insectos hostis, como se estivessem zangadas de se verem constrangidas a viverem perto uma da outra.

Quando uma aiga mora lá em cima, junto ao telhado da cabana, temos que trepar em ziguezague ou à roda, através de vários ramos, antes de chegar ao sítio onde o nome da aiga estiver escrito na parede. Vemos então uma graciosa imitação de um mamilo de mulher, o qual devemos premer até soar um grito que fará vir a aiga. Esta, graças a um boraquinho redondo e gradeado aberto na parede, vê se não trata de um inimigo. Só depois abre. Se reconhece um amigo, desprende logo um grande batente de madeira solidamente fechado a cadeado e puxa-o contra si, o que permite ao visitante entrar por essa fresta na cabana propriamente dita.

Esta é novamente cortada por inúmeras e rijas paredes de pedra e assim continuam a insinuar-nos de batente em batente, a passar de um baú para outro baú cada vez mais pequeno. Cada baú - a que o Papalagui chama sala - possui um buraco através do qual entra a luz. e se for grande, dois ou mais buracos. Esses buracos são tapados com vidro, que se pode afastar para fazer entrar ar fresco nos baús, coisa assaz necessária. Há, no entanto, muitos baús sem buracos para o ar e para a luz.

Um Samoano depressa sufocaria num baú assim, onde não passasse ar fresco, como acontece em todas as cabanas de Samoa. Além disso, os cheiros da cabana-cozinha também têm que sair. O ar que vem de fora não é, em geral, melhor; é quase incompreensível que um homem não morra em tal sítio, que o desejo de sair dali o não transforme em pássaro, que lhe não cresçam asas para poder tomar impulso e levantar voo, rumo ao ar livre e ao sol. Pois, mesmo assim, o Papalagui gosta dos seus baús de pedra e não se apercebe de quanto eles são malsãos.

Cada baú tem o seu fim próprio. O baú maior e mais claro destina-se às fonos (3) da família ou ao acolhimento dos visitantes; há outro que serve para dormir. e é aí que se põem as esteiras, isto é, que se as estende sobre um estrado de madeira com pés altos, a fim de que o ar passe por baixo delas. Num terceiro baú, tomam-se as refeições e fazem-se nuvens de fumo; no quarto, guardam-se os alimentos; cozinha-se no quinto, e toma-se banho no último, que é o mais pequeno, e também o mais belo cubículo. Está enfeitado com grandes espelhos, o chão embelezado com uma camada de seixos multicolores e, mesmo ao meio, há uma grande bacia de metal ou pedra na qual corre água fria ou água aquecida ao sol. É nessa grande bacia, maior mesmo do que o belo túmulo de um chefe de tribo, que uma pessoa se mete, para limpar e lavar o seu corpo de toda a poeira dos baús. Cabanas há, é claro, com maior número de baús. Como também há cabanas onde cada criança, e cada servo do Papalagui, possui o seu próprio baú. Há-os até para os cães e para os cavalos.

É pois nestes baús que o Papalagui passa a vida. Encontra-se, consoante a hora, ora num, ora noutro baú. É aí que crescem os seus filhos, entre pedras e muito acima do chão, às vezes mais alto do que o cimo de uma grande palmeira. De vez em quando o Papalagui deixa os seus baús privados, como ele lhes chama, e vai até outro baú destinado aos negócios, onde não quer que o incomodem e onde mulheres e filhos são indesejáveis. Enquanto isso, as raparigas e as mulheres preparam as refeições na cabana-cozinha, dão brilho às peles para os pés ou lavam os panos. Se os Papalaguis são ricos e podem dar-se ao luxo de ter criados, são estes que fazem tais trabalhos enquanto os Papalaguis vão fazer visitas ou procurar novas provisões de alimentos.

Há, na Europa, tantos homens a viverem deste modo quantas palmeiras há em Samoa, ou mesmo muitos mais. Alguns hão-de ter, por certo, um desejo ardente de ver a floresta, o sol e a luz; mas isso é geralmente tido por doença a precisar de remédio. Quando alguém se não mostra contente com aquela vida vivida no meio das pedras, dizem: «É um indivíduo desnaturado», o que quer dizer: ignora o que Deus destinou para o homem.

Esses baús de pedra encontram-se em grande número e muito próximos uns dos outros; nenhuma árvore, nenhum arbusto os separa; encontram-se ombro a ombro, como homens, e em cada um deles há tantos Papalaguis como numa aldeia de Samoa. Do outro lado, à distância de uma pedrada, encontra-se uma outra fila de baús, igualmente ombro a ombro e habitados por homens. Entre essas duas filas há uma estreita greta a que o Papalagui chama «rua». Essa greta é, às vezes, tão longa como um rio e coberta de pedras duras. Muito se tem que andar, primeiro que se encontre um sítio mais desafogado; mas é aí precisamente que vêm desembocar outras gretas. Têm o mesmo comprimento dos rios de água doce e as suas aberturas laterais são outras tantas gretas de pedra, semelhantes às demais. Pode-se assim deambular dias inteiros entre essas gretas antes de se dar com uma floresta ou um naco de céu azul. Nunca, no meio das gretas, se vê, na realidade, a cor do céu. É que em cada cabana há pelo menos um, e por vezes vários sítios onde se faz fogo, e assim o ar está sempre cheio de fumo e de cinza, como acontece durante a erupção da grande cratera do Savaii. Esse ar insinua-se pelas gretas, de modo que os baús de pedra mais altos parecem-se com os limos dos pântanos de «mangrove», e os homens apanham com terra negra nos olhos e nos cabelos e com areia dura nos dentes. Mas isso não impede que os homens percorram as tais gretas desde manhã até à noite. Alguns sentem mesmo com isso um especial prazer. Em certas gretas reina a confusão: escoam-se os homens por elas como espessa vasa. São as ruas que comportam enormes caixas de vidro onde estão dispostas todas as coisas de que o Papalagui necessita para viver: panos, ornamentos para a cabeça, peles para os pés e para as mãos, provisões de comida, carne, alimentos a sério como sejam os frutos, os legumes, e muitas coisas mais. Tudo ali está para tentação dos homens. Mas ninguém tem o direito de tirar o que quer que seja, mesmo em caso de extrema necessidade; para isso é preciso ter recebido uma licença especial e feito uma oferenda.

Nessas gretas, o perigo ameaça por todo o lado, pois não só os homens caminham em tropel, como circulam e galopam a cavalo em todas as direcções ou se fazem transportar em grandes baús de vidro que deslizam sobre rampas metálicas. O barulho é enorme. Fica-se surdo dos ouvidos, por via dos cascos dos cavalos e dos pés dos homens cobertos de peles duras, que ferem as pedras do chão. Há crianças a gritar, há homens a gritar de alegria ou de terror, grita toda a gente! Só aos gritos é que conseguimos fazer-nos ouvir. A barulheira é geral: são uns estalos, uns batuques, um estrondo tal, que mais parece a falésia de Savaii em dia de grande tempestade. Mas o bramido desta é mais agradável, não nos dá cabo dos sentidos, como o das gretas.

Resumindo: baús de pedra com os seus muitos homens, fundas gretas de pedra correndo para um lado e para outro, quais mil e um rios, com seres humanos lá dentro, barulho e estrondo, poeira negra e fumo por toda a parte, árvore alguma no horizonte e nada de céu azul, nada de ar puro ou de nuvens - a isto chama o Papalagui uma «cidade», criação de que muito se orgulha; quando muitos há, que ali vivem, que nunca viram uma floresta, um céu lavado ou o Grande Espírito, face a face. Homens que vivem como os animais que rastejam nos pegos e se escondem sob os corais; e ainda estes estão rodeados pela límpida água do mar, e o sol ainda lhes chega com a sua cálida boca. Orgulhar-se-á o Papalagui desses calhaus que assim juntou? O Papalagui é um indivíduo de um bom senso algo singular. Faz imensas coisas sem sentido que o põem doente, e apesar disso gaba-se e vangloria-se delas.

A cidade é, pois, isto de que eu acabo de falar. Mas há muitas cidades, cidades pequenas e cidades grandes. As maiores são aquelas onde moram os chefes do lugar com postos mais elevados. As cidades encontram-se dispersas no meio das terras, como as nossas ilhas no meio do mar. A distância que as separa corresponde por vezes à que nós temos que percorrer para ir tomar banho ao mar, mas também, outras vezes, a um dia de caminho. Todas as ilhas de pedra estão ligadas entre si por caminhos já traçados. Mas pode-se igualmente viajar num barco terrestre, comprido e estreito como um verme, que cospe fumo sem parar e desliza com grande rapidez sobre uns fios de ferro, com mais rapidez do que uma canoa de doze lugares em plena corrida.

Mas se apenas quisermos dizer talofa (4) a um amigo de outra ilha, não precisamos de ir a sua casa ou de correr dentro daquilo. Sopramos a mensagem em fios metálicos que se estendem, como lianas, de uma a outra ilha de pedra, e a mensagem chega ao sítio designado mais depressa do que um pássaro em pleno voo.

Entre todas essas ilhas de pedra, estende-se a terra propriamente dita chamada Europa. É uma terra em parte bonita e fértil, como a nossa. Tem árvores, rios e florestas e também aldeias verdadeiras. Embora as suas cabanas sejam igualmente de pedra, nem por isso deixam de estar, na maior parte das vezes, rodeadas de árvores carregadas de fruta; a chuva lava-as por todos os lados, e seca-as o vento.

Nessas aldeias moram homens dotados de natureza diferente da dos habitantes das gretas. Chamam-lhes homens do campo. Têm mãos mais rugosas e panos mais sujos que os homens das gretas, muito embora possuam muito mais de comer do que eles.

A sua vida é muito mais bela e saudável do que a dos homens das gretas. Mas não é isso o que eles acham, e por isso invejam os outros a quem chamam mandriões, por eles não trabalharem na terra, nem enterrarem e desenterrarem frutos. São ambos inimigos, pois os homens do campo têm que alimentar os homens das gretas com o produto da sua terra, guardar, criar e engordar o gado e partilhá-lo com eles. De qualquer modo, custa-lhes sempre muito abastecer de alimentos os homens das gretas e nunca percebem realmente porque é que estes usam mais belos panos do que eles, têm mãos mais brancas e não são obrigados, como eles, a suar ao sol e a tiritar à chuva.

Coisa que, de resto, preocupa muito pouco o homem das gretas. Este está persuadido de que tem direitos superiores aos do homem do campo e que aquilo que faz tem mais valor do que enterrar ou desenterrar frutos. Este conflito entre as duas partes não provoca contudo qualquer guerra entre elas. Quer viva entre gretas, quer viva no campo, o Papalagui acha que tudo está bem como está. Quando o homem do campo entra nas gretas, admira o poderio do homem que as habita, e este canta e arrulha sempre que atravessa as aldeias do homem do campo. O homem das gretas deixa o homem do campo engordar artificialmente os seus porcos, e este deixa o homem das gretas construir e gozar os seus baús de pedra.

Quanto a nós, filhos livres do sol e da luz, desejamos continuar fiéis ao Grande Espírito e não sobrecarregar com pedras o seu coração. Só indivíduos desvairados e doentes, homens que largaram a mão de Deus, serão capazes de viver felizes entre gretas daquelas, sem sol, sem luz e sem vento. Reconhecemos a incontestável felicidade do Papalagui, frustremos as suas tentativas de construir, ao longo das nossas margens banhadas pelo sol, os seus baús de pedra, e de destruir a nossa alegria com pedras, gretas, sujidade, barulho, fumo e areia, como é desejo seu fazer.


(1) Família.
(2) Três ilhas do grupo de Samoa.
(3) Reuniões, assembleias.
(4) Saudação de Samoa, à terra: ani-te.